Prof. Dr. Márcio José Mendonça
Não é novidade que a política de segurança
pública do Rio de Janeiro se transformou numa política de extermínio de
inimigos. Dentro desse modelo de “in-segurança”, os mesmos policiais, que são milicianos e muitos deles associados ao tráfico de drogas ilícitas, também atuam como exterminadores de
“bandidos” e de suspeitos nas favelas, à revelia da lei. Nesse sentido, vale
salientar, ainda, que a construção da imagem do inimigo é o caminho utilizado
para aplicar a política de exceção e de extermínio de traficantes de drogas ou
qualquer pessoa definida como suspeito, na visão do pobre e negro, como
perigoso. A definição da favela como território inimigo e como espaço “caótico”
e “desordenado”, lugar de “bandido”, como se diz nas entrelinhas, opera a
ressignificação da favela como um espaço de criminalidade, e do favelado, como
inimigo. Com base nesse conceito operacional, a segurança pública coloca, em
prática, políticas de guerra em operações militares em áreas urbanas densamente
povoadas.
Muitos estudos e relatos dão conta da ação
violenta da polícia em comunidades pobres do Rio de Janeiro, em que os
policiais, não distinguindo moradores de traficantes, tratam toda a população
como criminosa, adotando uma visão estereotipada, a respeito da população
favelada. Alguns relatos narram inclusive, a ação policial, que ao entrar nas
comunidades, cantam uma música que diz: “Vou te pegar, vou te matar, vou sugar
a tua alma”. Tais ações têm gerado grande ressentimento, na população, em
relação à polícia; esta, em geral, vê os policiais como piores do que os traficantes.
O blindado da polícia militar, “Caveirão”, cumpre
nesse modelo de policiamento um papel importante. Esses veículos, que, em sua
primeira versão, eram adaptados, são agora fabricados especialmente para a
função de combate urbano em favelas e espaços segregados, densamente povoados,
por conta de operações mais ostensivas, como foi a “pacificação” do Complexo do
Alemão, quando o BOPE precisou apelar para veículos das Forças Armadas. O
emprego do “Caveirão” é ideal em terrenos acidentados, no entanto, como muitos
relatos dão conta, sua ação não é restrita ao combate urbano contra traficantes
e bandidos. É comum em incursões em favelas e espaços segregados do Rio de
Janeiro, o emprego do veículo em ações contra a população. Em muitos vídeos que
circulam pela internet, feitos por moradores, é notável que os condutores do “Caveirão”,
em certas situações, usam o veículo como uma arma de guerra, para abrir caminho
sobre veículos civis estacionados.
Em um desses vídeos, que teve repercussão
na grande mídia, podemos ver que um blindado da polícia força passagem em um
beco estreito, danificando os automóveis dos moradores da Vila Kennedy, em Bangu, Zona Oeste do Rio, que se encontravam
estacionados. Nas imagens feitas por
um morador, é possível ver que um blindado da Delegacia de Roubos e Furtos de
Cargas (DRFC) atinge dois carros e uma moto, que estão estacionados nas
calçadas. O morador que gravou o vídeo reclamou da conduta dos policiais:
“Passou aqui, ó, viu que não dava pra passar dois carros, eu no portão, não
pediu pra eu tirar o carro. Eu no portão, não pediu pra eu poder tirar o carro.
Fez essa merda aí. Só coisa de trabalhador, olha as placas aí.. vai bater de
novo! Vai bater de novo!! Ó, meu carro, cara, não!”, grita o homem no vídeo,
enquanto o blindado retorna e passa pela via uma segunda vez e amassa os carros
estacionados. Em resposta ao ocorrido, a equipe do DRFC notificou que marginais
haviam colocado barricadas, em diversas vias, para dificultar a ação policial e
que, em algumas vias, os moradores deixaram seus carros estacionados na rua,
sem se preocuparem com a necessidade de passagem dos veículos da polícia, como
se os moradores, em operações militares, se sentissem seguros para sair de suas
casas para manobrar seus automóveis. Se assim fizessem, poderiam levar um tiro
em situação de confronto com traficantes. É válido frisar que, na Zona Sul,
jamais uma Ferrari foi atingida por um veículo blindado da polícia*.
Além de combater
traficantes territorializados em favelas e espaços segregados do Rio de
Janeiro, com o efeito de intimidar e amedrontar a população que vive em
ambientes marcados por profunda precariedade social, o “Caveirão”,
em suas ações de incursão nas favelas, atendem a uma importante função de
controle social, afim de domesticar a população pobre, negra e segregada do Rio
de Janeiro, a partir da configuração da favela e dos espaços segregados, como
lugares de exclusão, a
partir da definição da favela como território inimigo, ou seja, um espaço
“caótico” e “desordenado”, lugar de “bandido”. Lugar então que justifica ações
violentas da polícia no combate ao crime, mas também, contra os populares, que
vivem naquele território.
Veículo Maverick Paramount, intitulado “Caveirão”, adquirido
pelo governo do Rio de Janeiro, em exposição na Feira Internacional de
Segurança e Defesa (LAAD), com pintura e brasão do BOPE.
Fonte: Foto de
Jorge Rodrigues para a Revista Auto Esporte, em 11 de abril de 2013.
*Sobre esse fato, pode-se consultar a reportagem do G1Globo, intitulada Veículo blindado da Polícia Civil danifica carros de moradores da Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio de Janeiro, publicada em 25 de maio de 2017 e disponível no endereço eletrônico da rede de notícias (https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/veiculo-blindado-da-policia-civil-danifica-carros-de-moradores-da-vila-kennedy-zona-oeste-do-rio.ghtml). Outros vídeos similares circulam pela internet. Em um deles, na Rocinha, supostamente gravado no mês de setembro de 2017, um “Caveirão” passa por cima de algumas motocicletas, sem antes solicitar que sejam retiradas para liberar a sua passagem. Incidentes desse tipo são comuns e também foram registrados por câmeras de smartphones em 28 de outubro de 2018, dia da eleição de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil.
O texto acima consiste em uma adaptação de
um trecho do livro “Espaço de batalha e urbicídio na cidade do Rio de Janeiro”,
escrito por Márcio Mendonça. Adquira o livro aqui: https://www.amazon.com.br/Espa%C3%A7o-batalha-urbic%C3%ADdio-cidade-Janeiro/dp/6525233526/ref=tmm_pap_swatch_0?_encoding=UTF8&qid=&sr=
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