terça-feira, 7 de maio de 2024

Invasão a Rafah

Prof. Dr. Márcio José Mendonça

Ontem, dia 6 de maio, Israel concedeu aval ao último estágio do genocídio palestino e operações de invasão a cidade de Rafah, ao sul da Faixa de Gaza, iniciaram-se, hoje, e estão em curso nesse momento. Após o Hamas realizar uma importante concessão e aceitar o cessar-fogo imposto por Israel, Benjamin Netanyahu autorizou o ataque ao último refúgio palestino na estreita faixa de terra daquele território, pelo Sul, nos limites com a fronteira egípcia. Hoje, dia 7 de maio, militares israelenses assumiram o controle do lado de Gaza da passagem de Rafah, pela única passagem entre Gaza e o Egito, um ponto de entrada crucial para a ajuda humanitária ao enclave palestino sitiado.

Rafah é uma das maiores cidades da Faixa de Gaza e por causa do conflito centenas de milhares de palestinos se refugiaram na cidade e em suas imediações, na tentativa de fugir dos ataques e combates mais intensos, que se concentram mais ao norte. Embora a região concentre a maior parte da população palestina, desde o início da guerra, com presença significativa de crianças e mulheres, Netanyahu, primeiro-ministro israelense justifica a invasão com o propósito de libertar os reféns israelenses sequestrados desde o dia 7 de outubro e com a finalidade última de eliminar o Hamas da região.  

Entretanto, o real objetivo de Israel, nem sempre dito pela mídia hegemônica, consiste, na verdade, na destruição daquilo que ainda resta de infraestrutura urbana, na Faixa de Gaza, ao colocar em prática a etapa final do plano urbicida. O "urbicídio palestino" caracteriza-se dessa forma pela completa destruição de toda e qualquer estrutura urbana que ampara a sociedade palestina, com o propósito de forçar o deslocamento da população daquela região, em mais uma onda de refugiados para os países vizinhos, em particular o Egito. Em outras palavras, o urbicídio colocado em marcha por Israel, é um método de guerra urbana, empregado contra a população civil com o objetivo de inviabilizar a existência palestina na Faixa de Gaza, ao destruir a infraestrutura física e qualquer possibilidade dos palestinos habitarem o território.

Nesse sentido, na medida em que a fome aumenta e os conflitos se intensificam na região, sobretudo nas proximidades ao muro que separa Gaza do Egito, Israel provavelmente pretende abrir a fronteira pela passagem de Rafah ou, talvez, até mesmo, derrubar o muro, provavelmente acusando o Hamas do feito, permitindo, melhor dizendo, forçando os palestinos a cruzar a fronteira em direção ao Sinai, no Egito. As intenções de Israel no prolongamento do conflito, assim atendem, portanto, a dois objetivos:


·      Completar o plano urbicida em Gaza e inviabilizar o retorno de palestinos para suas casas, ao tornar o território inabitável;
·     Tornar as fronteiras entre o Egito e a Faixa de Gaza suficientemente porosas ou abertas para impor uma fuga mássica de refugiados.


Foto de Said Hassan

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domingo, 5 de maio de 2024

Geopolítica do “Caveirão” no policiamento ostensivo do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Márcio José Mendonça

Não é novidade que a política de segurança pública do Rio de Janeiro se transformou numa política de extermínio de inimigos. Dentro desse modelo de “in-segurança”, os mesmos policiais, que são milicianos e muitos deles associados ao tráfico de drogas ilícitas, também atuam como exterminadores de “bandidos” e de suspeitos nas favelas, à revelia da lei. Nesse sentido, vale salientar, ainda, que a construção da imagem do inimigo é o caminho utilizado para aplicar a política de exceção e de extermínio de traficantes de drogas ou qualquer pessoa definida como suspeito, na visão do pobre e negro, como perigoso. A definição da favela como território inimigo e como espaço “caótico” e “desordenado”, lugar de “bandido”, como se diz nas entrelinhas, opera a ressignificação da favela como um espaço de criminalidade, e do favelado, como inimigo. Com base nesse conceito operacional, a segurança pública coloca, em prática, políticas de guerra em operações militares em áreas urbanas densamente povoadas.

Muitos estudos e relatos dão conta da ação violenta da polícia em comunidades pobres do Rio de Janeiro, em que os policiais, não distinguindo moradores de traficantes, tratam toda a população como criminosa, adotando uma visão estereotipada, a respeito da população favelada. Alguns relatos narram inclusive, a ação policial, que ao entrar nas comunidades, cantam uma música que diz: “Vou te pegar, vou te matar, vou sugar a tua alma”. Tais ações têm gerado grande ressentimento, na população, em relação à polícia; esta, em geral, vê os policiais como piores do que os traficantes.

O blindado da polícia militar, “Caveirão”, cumpre nesse modelo de policiamento um papel importante. Esses veículos, que, em sua primeira versão, eram adaptados, são agora fabricados especialmente para a função de combate urbano em favelas e espaços segregados, densamente povoados, por conta de operações mais ostensivas, como foi a “pacificação” do Complexo do Alemão, quando o BOPE precisou apelar para veículos das Forças Armadas. O emprego do “Caveirão” é ideal em terrenos acidentados, no entanto, como muitos relatos dão conta, sua ação não é restrita ao combate urbano contra traficantes e bandidos. É comum em incursões em favelas e espaços segregados do Rio de Janeiro, o emprego do veículo em ações contra a população. Em muitos vídeos que circulam pela internet, feitos por moradores, é notável que os condutores do “Caveirão”, em certas situações, usam o veículo como uma arma de guerra, para abrir caminho sobre veículos civis estacionados.

Em um desses vídeos, que teve repercussão na grande mídia, podemos ver que um blindado da polícia força passagem em um beco estreito, danificando os automóveis dos moradores da Vila Kennedy, em Bangu, Zona Oeste do Rio, que se encontravam estacionados. Nas imagens feitas por um morador, é possível ver que um blindado da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) atinge dois carros e uma moto, que estão estacionados nas calçadas. O morador que gravou o vídeo reclamou da conduta dos policiais: “Passou aqui, ó, viu que não dava pra passar dois carros, eu no portão, não pediu pra eu tirar o carro. Eu no portão, não pediu pra eu poder tirar o carro. Fez essa merda aí. Só coisa de trabalhador, olha as placas aí.. vai bater de novo! Vai bater de novo!! Ó, meu carro, cara, não!”, grita o homem no vídeo, enquanto o blindado retorna e passa pela via uma segunda vez e amassa os carros estacionados. Em resposta ao ocorrido, a equipe do DRFC notificou que marginais haviam colocado barricadas, em diversas vias, para dificultar a ação policial e que, em algumas vias, os moradores deixaram seus carros estacionados na rua, sem se preocuparem com a necessidade de passagem dos veículos da polícia, como se os moradores, em operações militares, se sentissem seguros para sair de suas casas para manobrar seus automóveis. Se assim fizessem, poderiam levar um tiro em situação de confronto com traficantes. É válido frisar que, na Zona Sul, jamais uma Ferrari foi atingida por um veículo blindado da polícia*.

Além de combater traficantes territorializados em favelas e espaços segregados do Rio de Janeiro, com o efeito de intimidar e amedrontar a população que vive em ambientes marcados por profunda precariedade social, o “Caveirão”, em suas ações de incursão nas favelas, atendem a uma importante função de controle social, afim de domesticar a população pobre, negra e segregada do Rio de Janeiro, a partir da configuração da favela e dos espaços segregados, como lugares de exclusão, a partir da definição da favela como território inimigo, ou seja, um espaço “caótico” e “desordenado”, lugar de “bandido”. Lugar então que justifica ações violentas da polícia no combate ao crime, mas também, contra os populares, que vivem naquele território. Dessa forma, por associação ou não ao crime, bairros populares (e as pessoas que ali vivem) são definidos como territórios inimigos, de uma guerra de classe, contra negros e pobres, trabalhadores em outras palavras.

Veículo Maverick Paramount, intitulado “Caveirão”, adquirido pelo governo do Rio de Janeiro, em exposição na Feira Internacional de Segurança e Defesa (LAAD), com pintura e brasão do BOPE.

 

Fonte: Foto de Jorge Rodrigues para a Revista Auto Esporte, em 11 de abril de 2013.

*Sobre esse fato, pode-se consultar a reportagem do G1Globo, intitulada Veículo blindado da Polícia Civil danifica carros de moradores da Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio de Janeiro, publicada em 25 de maio de 2017 e disponível no endereço eletrônico da rede de notícias (https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/veiculo-blindado-da-policia-civil-danifica-carros-de-moradores-da-vila-kennedy-zona-oeste-do-rio.ghtml). Outros vídeos similares circulam pela internet. Em um deles, na Rocinha, supostamente gravado no mês de setembro de 2017, um “Caveirão” passa por cima de algumas motocicletas, sem antes solicitar que sejam retiradas para liberar a sua passagem. Incidentes desse tipo são comuns e também foram registrados por câmeras de smartphones em 28 de outubro de 2018, dia da eleição de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil.

O texto acima consiste em uma adaptação de um trecho do livro “Espaço de batalha e urbicídio na cidade do Rio de Janeiro”, escrito por Márcio Mendonça. Adquira o livro aqui: https://www.amazon.com.br/Espa%C3%A7o-batalha-urbic%C3%ADdio-cidade-Janeiro/dp/6525233526/ref=tmm_pap_swatch_0?_encoding=UTF8&qid=&sr= 


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