Prof. Dr. Márcio José Mendonça
A maior competição de futebol da Europa iniciou
no último dia 14 de junho. Com sede na Alemanha e com 24 equipes participantes,
poucas vezes na história, o torneio foi alvo de tantas tensões e conflitos como
a Eurocopa de 2024 promete. O esporte muitas vezes reflete o contexto social e
o cenário geopolítico das nações envolvidas. O futebol, por exemplo, esporte
mais popular do mundo, não foge à regra e pode muito bem ser o palco de aumento
das tensões ou um importante instrumento de pacificação dos conflitos.
Para compreender o cenário que envolve a
Eurocopa de 2024, basta um breve olhar sobre as nações no tabuleiro da
geopolítica europeia dos últimos tempos, começando pelo antigo barril de
pólvora dos Balcãs. A região foi o estopim da Primeira Guerra Mundial quando o
arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, herdeiro ao trono austro-húngaro,
foi assassinado em 1914 na cidade de Sarajevo. Não muito diferente do início do século passado, a região nas últimas décadas,
vive em frequente ebulição desde a desagregação da Iugoslávia. No final dos
anos 1980, a morte do Marechal Josip Broz, conhecido como Tito, um líder
popular e importante figura da unidade nacional iugoslava, que reunia sérvios,
croatas, bósnios, eslovenos, albaneses, macedônios e montenegrinos, numa mesma
identidade nacional de uma frágil colcha de retalhos de uma federação de
repúblicas, que compunham a Iugoslávia. Foi acompanhada de uma acentuada crise
no regime socialista no Leste Europeu, assim, o súbito colapso das repúblicas
iugoslavas rapidamente evoluiu para uma Guerra Civil que deixou além de 140 mil
mortos, profundas feridas nos povos da península balcânica e fronteiras indefinidas na
região.
Após dez anos de conflitos recheados com
períodos de maior violência e breves calmarias, vividos entre 1991-2001,
durante a Guerra Civil Iugoslava. O mapa da região mudou totalmente e a grande
Iugoslávia desapareceu por completo dando origem a pequenos Estados (Sérvia,
Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia, Montenegro e Kosovo). No entanto,
disputas territoriais continuam em pauta e as rivalidades após anos de uma paz
velada, estão novamente a flor da pele na região. A Sérvia, principal força
político e militar da ex-Iugoslávia, se julga vítima da agressão do Ocidente, com
apoio da OTAN, que levou ao seu enfraquecimento regional e perda de territórios. Nesse âmbito, o arrastar da fragmentação da Iugoslávia com o último desmembramento do Kosovo, de maioria albanesa, mas com
uma importante minoria sérvia, é outro exemplo do aumento das tensões na região e um reflexo que o conflito está longe do fim. A Sérvia não reconhece até
hoje a independência do Kosovo e responsabiliza o Ocidente, por interferência
da OTAN, entenda-se Estados Unidos e seus principais aliados europeus, por
atuar na região contra os sérvios, antigos aliados dos russos, estimulando e
apoiando movimentos separatistas nacionalistas com o propósito de enfraquecer a
hegemonia regional dos sérvios nos Balcãs, o que fatidicamente culminou com o
fim da Iugoslávia.
No novo mapa da região balcânica, os
sérvios viram sua fronteira mudar de lugar por mais de uma vez e o seu país
mudar de nome sucessivamente ao longo dos últimos anos. Um exemplo das
mudanças repentinas que os sérvios tiveram que enfrentar pode ser vista, de
forma ilustrativa, no caso do ex-jogador de futebol sérvio, Dejan Stankovic,
que por conta das frequentes mudanças de nome de seu país, foi o único
futebolista da história a disputar três Copas do Mundo por três países
diferentes (figura abaixo).
E as tensões prometidas para a Eurocopa de
2024 já vieram à tona, hoje, 16 de junho, três dias apenas após o início da
competição. O problema ocorreu entre torcedores da Sérvia, da Albânia, e da
Inglaterra (os famosos hooligans), que entraram em confronto na cidade alemã de
Gelsenkirchen quando acompanhavam a partida da Sérvia contra a Inglaterra. Como
vimos as rivalidades entre as nações balcânicas remonta aos conflitos étnicos
dos Balcãs e problemas ainda maiores são prováveis de ocorrer nessa Eurocopa, nas
próximas partidas, no jogo em que a Croácia enfrenta a Albânia, no próximo
dia 19 de junho, e a Sérvia encara a Eslovênia, na sequência, na data de 20 de junho.
Exemplos de hostilidades entre nações da antiga Iugoslávia são frequentes em competições esportivas. Em 2018, durante a Copa do Mundo, na Rússia, muitos devem se lembrar, os jogadores da Suíça Xhaka e Shaqiri, celebraram a virada por 2-1 contra os sérvios, cruzando as mãos e entrelaçando os polegares (figura abaixo). O sinal foi uma referência à águia que integra a bandeira da Albânia, país que reconhece e apoia a existência do estado de Kosovo. Para os jogadores, a atitude tem explicação em suas famílias. Os pais de Xhaka fugiram da região dos Balcãs durante a Guerra Civil Iugoslava. Já Shaqiri, por sua vez, nasceu em Gjilan, município que pertence atualmente ao Kosovo, de maioria albanesa, mas foi com seus pais para a Suíça por causa da guerra na região.
As tensões para a Euro2024 não param por
aí. O conflito no Leste Europeu, entre Ucrânia e Rússia, é o mais mortífero da
Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial e pode arrastar toda a Europa para
uma guerra mundial envolvendo não só os europeus, mas os Estados Unidos também,
que financiam e apoiam diretamente os ucranianos por intermédio da OTAN. A
Rússia está suspensa de competições oficiais da FIFA e UEFA, o que explica sua ausência
da Eurocopa, mas os ucranianos se classificaram para a competição e sua
presença implica em um grande aparato de segurança e aumento das tensões. Não que os russos planejem um
atentado, mas a presença ucraniana em detrimento da exclusão russa das
competições, de forma unilateral, expressa a tentativa de usar da competição com
fins políticos, fato que os russos se queixam acusando a mídia Ocidental de
manipular a opinião pública.
Manifestações políticas durante a Eurocopa
podem ocorrer e são esperadas por conta da Guerra na Ucrânia e do conflito na
Faixa de Gaza, com o genocídio palestino em curso que a mídia corporativa tenta esconder.
Mas isso não é tudo, a ascensão de partidos de extrema direita, ligados a
grupos neofascistas na Alemanha, sede do torneio, na França, na Espanha, em Portugal e
outros países, são outro elemento a colocar mais pimenta no caldeirão europeu no
decorrer da competição. Futebol e política andam junto na Euro2024.
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