Prof. Dr. Márcio José Mendonça
O urbicídio trata da destruição do
ambiente urbano, por meio de ataque às condições de existência urbana, na
cidade, induzida por violência política. O conceito privilegia a destruição da
vida na cidade como negação da heterogeneidade urbana, através da destruição
dos equipamentos urbanos e da estrutura básica da cidade, que permitem a
socialização coletiva e existência compartilhada das experiências urbanas de
vida na cidade. Assim, o urbicídio abrange os meios e formas de destruição de
uma dada condição urbana de existir na cidade, efetuada por artifícios
militares, como parte de um programa de violência política, direcionada contra
grupos ou segmentos de uma determinada população urbana, com o objetivo de
destruir as condições de existência e reprodução no espaço urbano desta
população, ou seja, privá-lo, em outro sentido, da vida urbana.
Todavia, o urbicídio não implica somente
em destruição, já que também pode ser construtivo. Destruir para
desterritorializar determinados grupos e acabar com uma dada ordem e construir para
reterritorializar uma nova dinâmica, faz parte do método híbrido do urbicídio,
que de forma simultânea, incorpora no processo de destruição uma nova lógica de
construção dentro de uma dinâmica de exclusão e inclusão.
Para demonstrar isso, antes de Gaza, basta
um breve retorno ao período da revolta de Hama, em 1982, durante o governo Hafez
al-Assad, o pai do atual presidente da Síria, Bashar al-Assad, que na época, dizimou
a cidade para sufocar a revolta liderada pela Irmandade Muçulmana. Dessa
maneira, “o urbicídio de Hama implicou a destruição deliberada do tecido urbano
inteiro da cidade e, significativamente, o processo continuou com uma
reconstrução projetada para impor um novo arranjo” (SHARP, 2016, p. 128,
tradução nossa). Dessa maneira, o urbicídio pode, paradoxalmente, ser
generativo de novos espaços e outras configurações territoriais, enquanto
alguns são expulsos, outro são territorializados.
Tais ações, além da destruição e pilhagem, características do urbicídio, têm desenvolvido formas de expropriação de populações precarizadas, que se dão não somente pela destruição de seus equipamentos urbanos, mas também, pela apropriação ilegal da infraestrutura urbana e de uma série de usos e recursos disponíveis na cidade, como acesso a água e fontes de energia, como ocorrem, por exemplo, em Gaza atualmente, quando Israel ataca as centrais e redes de abastecimento de energia elétrica e água que abastecem o território da Faixa de Gaza. É nesse sentido que o conceito de urbicídio assume papel de instrumento de análise, para identificar formas de negação de acesso à cidade, a partir da violência política, instrumentalizada no espaço urbano, cujo uso militar é uma característica essencial.
É assim, que o
urbicídio praticado por Israel assume um comportamento híbrido, associando destruição urbana e produção do espaço
geográfico, com novos projetos de urbanização de Gaza, patrocinados ou
simplesmente apoiados pelo Estado, que operam pela
espoliação/despossessão e configuração de uma economia-política do espaço
urbano (ver Figura). A esse mecanismo, denominamos de “urbanização do
urbicídio”, ou seja, uma forma de operacionalização da atividade urbicida, de
cunho exploratório e espoliativo, que participa da produção do espaço urbano,
gerando economias políticas predatórias, que organizam um nicho de mercadorias
e serviços urbanos discriminatórios e excludentes, para não dizer ilegais.
Construtora imobiliária israelense publicou anúncio de casas luxuosas à beira-mar, sobreposta a uma foto real de Gaza bombardeada, um exemplo de como o urbicídio opera muita das vezes pela ressignificação de outra lógica, desterritorializando no caso os palestinos, para reterritorializar israelenses no lugar.
Fonte: RT no Instagram 22/12/2023
Nota: para uma leitura mais aprofundado sobre o tema da “urbanização do urbicídio” recomendamos a leitura do nosso livro, “Espaço de batalha e urbicídio na cidade do Rio de Janeiro”, 2022. Acesse aqui: https://loja.editoradialetica.com/humanidades/espaco-de-batalha-e-urbicidio-na-cidade-do-rio-de-janeiro
SHARP,
Deen. Urbicide and the arrangement of violence in Syria. In: SHARP, Deen;
PANETTA, Claire (Orgs.). Beyond the square: urbanism and the Arab Uprisings. New York: Urban
Research, 2016, p. 118-140.
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