Prof. Dr. Márcio José Mendonça
Com a dronificação do espaço de batalha em
diferentes cenários, os drones militares e de uso civil adaptados para combate,
estão sendo cada vez mais empregados em ambiente urbano na Ucrânia, na Faixa de
Gaza e em muitos outros lugares, em situações de guerra, mas também, como Ian
Shaw (2016) observou, doravante, em ações de vigilância e policiamento
ostensivo de significativos contingentes de população excedente que vivem em
áreas urbanas e nas grandes metrópoles do Norte Global.
Por conta do aumento do desemprego
estrutural e da destruição da previdência pública, um número crescente de
trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, são agora tratados como
inimigos e uma “ameaça à segurança” doméstica de países em que a substituição
de massas de trabalhadores por não-humanos é cada vez mais gerida pelo
policiamento dos humanos com robôs, drones e outros aparelhos. O aumento da
massa de trabalhadores descartados pelo sistema capitalista, que há muito tempo
é responsável pela miséria e pelo inchaço de megacidades do Sul Global, estão
se multiplicando também no Hemisfério Norte. Em muitas cidades globais a taxa
de trabalhadores permanentemente desempregados, já soma uma significativa parcela
da população composta por sujeitos que não trabalham e não possuem nenhuma
perspectiva de conseguir algum emprego, mas que precisam ser geridas pelo
sistema capitalista, por mecanismos de controle e vigilância.
Embora os drones militares e sistemas de
vigilância dronificados tenham sido primeiro implantados em espaços periféricos
do planeta, em áreas tribais do Paquistão, Iêmen, Somália, Afeganistão e nos
territórios palestinos ocupados, em suma territórios de disputa colonial, o seu
uso é cada vez mais recorrente nas metrópoles e nos grandes centros econômicos do
Norte Global, com o propósito de controlar a população excedente do
capitalismo. Um número cada vez maior de trabalhadores descartados do sistema
de acumulação, são então, alvos das técnicas capitalistas contemporâneas de
controle e vigilância aplicadas de cima para baixo, verticalmente no espaço, como
parte de um programa de securitização da vida, que Ian Shaw (2016) chamou de
“dronificação da violência estatal”.
Assistimos a uma nova era de caçada humana
em que o policiamento aéreo, antes empregado por meio de helicópteros policiais
em cidades do Norte Global, como Los Angeles (ver DAVIS, 2009) ou na
(semi)periferia do sistema capitalista, a ocorrer em São Paulo e no Rio de
Janeiro (ver MENDONÇA, 2019; 2022), e tantos outras cidades do Sul Global, na
guerra às drogas, combate ao crime e na contenção de manifestações, é feita agora
através de drones. Se até pouco tempo os helicópteros constituíam a tecnologia
central para o policiamento aéreo de megacidades (ver ADEY, 2010), os drones, a
partir de então, estão a constituir uma nova técnica de segurança atmosférica.
A dronificação do policiamento, está a
produzir uma sofisticada geografia de segurança atmosférica do espaço doméstico
e a configuração do espaço de batalha nos grandes centros urbanos das
metrópoles globais. Em megacidades do Norte ao Sul Global, a dronificação dos
mecanismos de securitização, fazem parte da nova etapa de criminalização da
pobreza e de gestão neoliberal de controle da sociedade por meio de violência
estatal. Com essa finalidade, estão a atacar os direitos sociais dos
trabalhadores, aplicando uma racionalidade punitiva por meio do mecanismo de
guerra civil, uma espécie de guerra de todos contra todos, na luta pela
sobrevivência diária, daquilo que Pierre Dardot et al. (2021) analisou como (a atual etapa de) ataque do sistema
neoliberal contra o proletariado – uma guerra, em que a população excedente não
é só descartada, mas precisa ser vigiada e combatida pelo Estado capitalista.
O drone policial aparece então como uma nova técnica de segurança atmosférica, a operar de forma muito mais livre, capaz de vasculhar e perseguir suspeitos ou rebeldes na ruas e esquinas de favelas e espaços segregados de qualquer cidade ou mesmo de se infiltrar no interior de residências ou em acampamentos para policiar o excedente populacional – o novo precariado global. Como diz Chamayou (2015), os drones podem proteger e saturar a atmosfera urbana, por meio de enxames de drones policiais que equivalem a efeitos psicológicas semelhantes à de uma prisão na paisagem urbana. Em muitos lugares, as populações excedentes, como as da Palestina, já estão sujeitas a essa segurança atmo-psicológica, o terror aéreo, a partir do controle do espaço aéreo que visa atingir as suas condições existenciais, destruindo o seu habitat de cima para baixo, isto é, o atmoterrorismo de Sloterdijk (2009), uma modalidade de terrorismo atmosférico que assume a forma de assalto às condições de “vida ambientais”. O policiamento feito por drones em muitas cidades já é uma realidade da nova fase do capitalismo robótico, em que drones vigiam prédios corporativos, instalações governamentais e patrulham ruas de grandes centros urbanos. Do campo de batalha na Ucrânia e na Palestina ao espaço urbano do Norte ao Sul Global, os drones estão a povoar todas as esferas da vida e a constituir um importante mecanismo atmosférico de violência e vigilância vertical, que ao aplicar uma política de guerra e de segurança de cima para baixo, produzem profundos efeitos psicológicos em suas vítimas e ameaçam formas de vida em diferentes ambientes.
* O texto acima consiste em um trecho do
livro em desenvolvimento, “Guerra dos
Drones: análise e perspectiva do campo de batalha”, em etapa de conclusão,
escrito por Márcio José Mendonça.
ADEY, Peter. Vertical security in the megacity: legibility, mobility and aerial politics. Theory, Culture and Society, v. 27, n. 6, p. 51-67, 2010.
CHAMAYOU, Grégoire. Teoria do drone. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
DARDOT, Pierre [et al.]. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021.
MENDONÇA, Márcio José. Espaço de batalha e urbicídio na cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
______. Geografia do policiamento aéreo nas metrópoles brasileiras. GeoTextos, v. 15, n. 1, p. 89-11. jul. 2019.
SHAW, Ian G.R. The urbanization of drone warfare: policing surplus populations in the dronepolis. Geographia Helvetica, v. 71, p.19-28, 2016.
SLOTERDIJK, Peter.
Terror from the air. New York:
Semiotext, 2009.
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